As tarefas da Orquestra Criança Cidadã na realização de um concerto vão muito além de preparar os músicos para a apresentação. Além de toda a parte logística e de divulgação, ela também assume ou coassume a responsabilidade de garantir casa cheia. Essa responsabilidade acaba sendo redobrada quando o público nunca viu e ouviu uma orquestra sinfônica ao vivo.

Por ser um projeto apoiado pela Lei de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet), um dos deveres da OCC é promover o direito constitucional dos cidadãos ao acesso a fontes de cultura. Essa inserção é facilitada de várias maneiras, desde a gratuidade dos concertos até a realização de apresentações em comunidades.

“A gente não só faz concertos em equipamentos culturais tradicionais, como teatros que são localizados normalmente em zonas centrais ou em centros históricos. A OCC vai além e realiza concertos em locais que não são específicos para isso, como quadras, escolas…”, explica Matheus Soares, assessor da coordenação geral, sobre a avaliação geográfica que acompanha a elaboração do calendário artístico anual.

Além de levar as apresentações para diversos bairros do Recife, este ano a OCC reforçou o empenho ao agendar concertos em outras cidades da Região Metropolitana, como Jaboatão dos Guararapes e Camaragibe.

BERÇO DA PÁTRIA
Na zona central de Jaboatão dos Guararapes — município alcunhado como Berço da Pátria, devido à história Batalha dos Guararapes — foram realizados quatro concertos em 2024, protagonizados pelas três orquestras sinfônicas do projeto (Jovem, Infantojuvenil e Infantil) e pelo Grupo de Sopros: dois no Cine-Teatro Samuel Campelo, e dois na Paróquia Santo Amaro.

Idealizador do ZhaLuArt Instituto e então mediador institucional dos espetáculos da OCC junto à paróquia, Josias Adolfo analisa o déficit da região em relação a experiências artísticas: “Jaboatão é uma cidade muito carente no que se refere aos vários segmentos culturais. Um morador de Jaboatão, por exemplo, se quiser assistir a um concerto, tem que se deslocar ao Recife para assistir à Orquestra Sinfônica do Recife ou a outras do gênero”.

Já Bernardo Peixoto, presidente do sistema Fecomércio/Sesc/Senac em Pernambuco, responsável pelo Cine-Teatro Samuel Campelo, observa como o primeiro contato com novas formas de cultura pode incentivar o consumo de arte: “Em dois concertos [no Samuel Campelo], mobilizamos mais de 600 pessoas, algumas delas tendo ali o seu primeiro contato com a música instrumental. Isso é formação de público na prática, promovendo momentos para que as pessoas possam ouvir, assistir e apreciar novas formas de arte. Com isso, conseguimos aproximar o público de expressões culturais com as quais ele ainda tem pouca familiaridade, mas que podem vir a ser incorporadas em seu cotidiano”.

Vale destacar que nessas ocasiões, além de facilitar o acesso à música erudita, os maestros José Renato Accioly, Jadson Dias e Karolayne Cavalcante realizaram um trabalho didático de apresentação dos instrumentos da orquestra, permitindo que o público ampliasse seu conhecimento sobre o universo da música de concerto.

LANTANA CAMARA
Em Camaragibe — município que leva o nome da planta lantana camara —, a estreia da Orquestra Criança Cidadã foi celebrada com entusiasmo. A primeira apresentação, confiada ao Grupo de Percussão da OCC, aconteceu após conversações com a Secretaria Municipal de Educação, que mobilizou 485 alunos do projeto "Musicalização na Rede Municipal de Ensino de Camaragibe" para assistir ao espetáculo.

O secretário de Educação, Mauro Silva, destacou o impacto dessa iniciativa conjunta. “Foi uma oportunidade única para as crianças de Camaragibe, não só pelo espetáculo, mas pela interação didática com a orquestra. Foi uma atividade para ficar na lembrança delas.”

Mauro também destaca a importância do contato com performances culturais na visão de futuro dos alunos: “As nossas crianças puderam ver jovens tocando instrumentos de percussão com muita desenvoltura, e isso faz com que eles passem a ter outras referências de formação, de crescimento enquanto cidadão e pessoa humana.”

IPOJUCA E IGARASSU
Esse objetivo de levar a experiência artística para públicos que não possuem contato regular abrange todos os núcleos da OCC. No Núcleo do Ipojuca, os concertos em Porto de Galinhas, realizados em 2023 e 2024, atraíram tanto turistas quanto a população local, oferecendo momentos de apreciação cultural em um dos destinos turísticos mais conhecidos do país.

Apesar da intensa chuva no final do concerto do dia 5 de julho de 2024, o público permaneceu assistindo — amparados sob toldos, marquises e guarda-chuvas — aos músicos regidos pelo maestro Márcio Pereira.

No mesmo dia, os músicos do Núcleo de Igarassu, sob regência dos professores Basemate Neves e Italo Ferreira, se destacaram por terem sido o primeiro grupo musical a se apresentar na reinauguração do Centro de Artes Mestre Narciso Félix de Araújo, com casa cheia e muitos aplausos, reafirmando o interesse da população em se aproximar da música erudita.

Josias Adolfo comenta sobre o maior aspecto da OCC, considerado inspirador para outros projetos que atuam na democratização do acesso às expressões culturais: “A OCC faz um trabalho de musicalização sério, que ao mesmo tempo impacta na transformação social, principalmente nas habilidades sociais. Pessoas que convivem bem, respeitando as diferenças, geram um grande poder transformador”.